A obesidade como um problema de Saúde Pública
A prevalência mundial da obesidade quase duplicou entre 1980 e 2008. Em 2008, na Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 50% da população encontrava-se acima do peso. Com base nas últimas estimativas dos países da União Europeia, o excesso de peso afeta 30-70% dos adultos, enquanto que a obesidade afeta 10-30%.
Em Portugal, a obesidade afeta mais de 1 milhão de adultos, ou seja, 16,4% da população com idade igual ou superior a 18 anos. Mais de metade da população adulta portuguesa (52,8%) sofre de pré-obesidade ou obesidade.
Sendo a obesidade o ponto de partida para as principais doenças crónicas como a diabetes, as doenças cardiovasculares e as oncológicas, deveria ser o centro do investimento no que diz respeito à melhoria da saúde dos portugueses.
A etiologia multifatorial da obesidade
A obesidade é uma doença mutifatorial e complexa, incluindo fatores genéticos, fisiológicos, ambientais, psicológicos, sociais, económicos e até políticos, que interagem entre si a vários graus, promovendo o seu desenvolvimento.
Um ambiente “obesogénico”
Crê-se que foi entre 1960 e 1970 que o ambiente alimentar mudou para um paradigma que promove a sobrealimentação: alimentos altamente calóricos e ricos em açúcar, sal e gordura passaram a ser baratos e muito acessíveis. Hoje, encontramo-los facilmente nos inúmeros restaurantes de fast food, em máquinas de vending de escolas e escritórios, etc. Estes alimentos, altamente desejáveis em termos de sabor e conveniência, estão frequentemente disponíveis em grandes porções, contribuindo de forma considerável para o aumento do aporte energético.
Simultaneamente a este shift de disponibilidade alimentar, ocorreu uma diminuição da atividade física, condicionada por um menor acesso à mesma, devido à existência de menos passeios para peões e mais estradas, menos tempo de atividades ao ar livre e mais tempo despendido em atividades sedentárias, como, por exemplo, a utilização de ecrãs (televisão, tablet, telemóvel). Também os avanços tecnológicos que, atualmente, consideramos banais, nomeadamente os comandos remotos das televisões ou os portões automáticos das garagens, contribuíram para este declínio no gasto energético.
O lobby da indústria alimentar
Com mais de 20 000 novos alimentos/bebidas a serem publicitados anualmente, a evidência sugere que indivíduos com obesidade têm uma ingestão alimentar excessiva devido ao acesso a uma enorme variedade de diferentes produtos alimentares.
A indústria alimentar, além do marketing, desenvolve produtos cada vez mais processados, de alta palatabilidade e a preços acessíveis. Além disso, inova constantemente, com novos sabores, composições e texturas – aliciando os consumidores a descobrirem (literalmente) “a última bolacha do pacote”.
Como tal, a indústria alimentar tem um papel no desenvolvimento da obesidade, devendo ser orientada para práticas socialmente responsáveis, tanto no desenvolvimento, como no marketing dos seus produtos.
Outros fatores etiológicos
Não só a alimentação e o sedentarismo contribuem para a obesidade. Também alguns fármacos, a privação de sono, a cessação tabágica, a exposição a disruptores endócrinos, a redução da variabilidade da temperatura ambiente, entre outros fatores desempenham papéis na etiologia da obesidade.
Tendo em conta esta complexidade, devemos ter cuidado para não enfatizar demasiado nenhum conceito etiológico específico. Pelo contrário, devemos salientar a necessidade de uma prevenção ambiental, sem nos focarmos demasiado em conceitos etiológicos individuais.
O estigma de peso e da obesidade
Embora a obesidade seja reconhecida como um problema de saúde pública mundial, ainda é considerada por alguns como uma responsabilidade individual resultante de más escolhas e motivações.
De acordo com a OMS, o viés ou estigma de peso é definido como atitudes negativas e/ou crenças sobre os outros devido ao seu peso. Essas atitudes negativas manifestam-se através de estereótipos e/ou preconceitos em relação às pessoas com excesso de peso e obesidade. O viés de peso pode levar ao estigma da obesidade.
O estigma da obesidade envolve ações contra pessoas com obesidade que podem causar exclusão, marginalização e levar a iniquidades – por exemplo, quando as pessoas com obesidade não recebem cuidados de saúde adequados ou quando são discriminadas no local de trabalho e em ambientes educacionais.
Dados do Rudd Center for Food Policy and Obesity indicam que:
- Crianças em idade escolar com obesidade têm uma probabilidade 63% maior de serem vítimas de bullying;
- 54% dos adultos com obesidade relatam ser estigmatizados por colegas de trabalho;
- 69% dos adultos com obesidade relatam experiências de estigmatização de profissionais de saúde.
É também importante referir que, embora tanto homens quanto mulheres vivenciem o estigma e as pressões da obesidade, as mulheres experimentam mais psicopatologia relacionada com a alimentação, relatam vivenciar mais estigmatização da obesidade e internalizam o viés de peso mais do que os homens.
Narrativas populares sobre a obesidade podem contribuir para o viés de peso ao simplificar demasiado as causas da obesidade e sugerir que soluções fáceis levarão a resultados rápidos e sustentáveis (“coma menos, seja mais ativo”), estabelecendo assim expectativas irrealistas e mascarando os difíceis desafios que as pessoas com obesidade podem enfrentar na mudança de comportamento.
Estigma em profissionais de saúde
Sabin et al. estudaram 2384 médicos, que apresentaram forte estigma de obesidade, independentemente do peso dos próprios profissionais. Outros estudos em alunos de Medicina têm demonstrado resultados semelhantes, indicando atitudes mais negativas em relação a pacientes com obesidade, em comparação a indivíduos sem obesidade.
Ao utilizarem o “Implicit Association Test” (um questionário que ajuda a identificar estigma de peso), os resultados mostram que os médicos e os seus alunos associam mais frequentemente atributos negativos a pessoas obesas do que atributos positivos. Para descrever um indivíduo com obesidade, as palavras “mau”, “preguiçoso”, “estúpido” e “inútil” foram todas mais escolhidas do que “bom”, “motivado”, “inteligente” e “valioso”.
Mais, uma revisão sistemática de 2018 avaliou a prevalência do estigma de peso em profissionais e estudantes das áreas da nutrição e do desporto. Em 11 trabalhos na área da nutrição, 8 reportavam presença de estigma de peso por parte desses profissionais/estudantes, presente tanto em mulheres como em homens e na forma implícita e explícita.
Além disso, o trabalho descreve que, dentro dos nutricionistas, aqueles com excesso de peso não tinham qualquer preferência por pessoas magras, enquanto que os normoponderais demonstravam estigma em relação a pessoas com obesidade. De forma semelhante, os estudantes da área da nutrição que percecionavam o seu peso como saudável demonstravam atitudes mais negativas em relação a pessoas com obesidade do que aqueles que se auto-reportavam como estando em excesso de peso.
Assim, uma das sugestões desta revisão é a inclusão destas temáticas na formação de todos os profissionais de saúde.
Mecanismos de coping
Embora haja uma variedade de maneiras de lidar com o estigma de peso, muitas reações podem ser contraproducentes para perder peso. As consequências individuais para a saúde podem incluir aumento da ingestão alimentar, diminuição da atividade física, distúrbios psicológicos, fisiopatologia induzida pelo stress e diminuição da utilização de serviços de saúde.
Puhl e Brownell examinaram as respostas de coping de participantes obesos. Os seus resultados mostraram que 79% dos participantes usaram a alimentação como um mecanismo de coping para o ganho de peso, 74% choraram e isolaram-se, 73% recorreram ao diálogo interno negativo, 75% recusaram-se a alterar o padrão alimentar e 25% recorreram à violência física. Apenas 25% dos participantes procuraram terapia para melhorar os comportamentos de coping.
Cada vez mais, a evidência mostra que os indivíduos com obesidade podem internalizar atitudes tendenciosas de peso, levando à vergonha autodirecionada e a estereótipos sobre si mesmos.
Combate ao estigma de peso
Health At Every Size (HAES)
O HAES é um movimento transdisciplinar não centrado no peso, englobando investigadores de todas as áreas, que abordam o estigma de peso através da posição de que as obsessões sociais com a magreza e as dietas não são saudáveis nem permitem diversidade natural de corpos.
Assim, em vez de se focar em perda de peso, este paradigma foca-se na promoção da saúde e na melhoria do bem-estar emocional, físico e espiritual de indivíduos de todos os tamanhos. Especificamente, os investigadores desta área promovem a autoaceitação, a diversidade corporal e melhores comportamentos de saúde, independentemente do tamanho, tais como praticar atividade física por prazer e ter comportamentos alimentares mais intuitivos.
Campanhas direcionadas a profissionais de saúde
O estigma de peso tem mostrado ser particularmente resistente a intervenções, comparando com outros tipos de preconceito. Aliás, os clínicos dos cuidados primários têm pouco tempo para se comprometerem a cursos de treino participativo, intensivo e prolongado.
Ainda assim, um estudo de 2010, descobriu que a compreensão sobre influências genéticas e ambientais na obesidade levou a uma redução de atitudes gordofóbicas implícitas, em estudantes da área da saúde.
De forma semelhante, um ensaio de 2013 onde se mostraram breves filmes anti estigma a médicos internos levou a uma redução significativa de atitudes e crenças explícitas contra pessoas com obesidade.
Assim, talvez seja necessário um maior esforço para incluir intervenções educativas breves em escolas médicas e na formação dos profissionais de saúde no geral.
Recomendações da OMS
A OMS dá alguns exemplos de como os Estados Membros podem abordar o estigma de peso:
- Adotar, nos sistemas de saúde e serviços públicos de saúde, o termo “paciente ou pessoa com obesidade” em vez de “paciente obeso”.
- Envolver as pessoas com obesidade no desenvolvimento de programas e serviços de saúde pública e atenção primária à saúde.
- Abordar o viés de peso nos serviços de saúde e desenvolver modelos que atendam às necessidades das pessoas com obesidade.
- Aplicar estruturas integradas de cuidados crónicos para melhorar a experiência dos pacientes e os resultados na prevenção e controlo da obesidade.
- Reconhecer que muitos pacientes com obesidade tentaram perder peso repetidamente;
- Considerar que os pacientes podem ter tido experiências negativas com profissionais de saúde e abordar os pacientes com sensibilidade e empatia;
- Enfatizar a importância da mudança de comportamento realista e sustentável – foco em ganhos significativos de saúde;
- Explorar todas as causas possíveis de um problema apresentado e evitar supor que seja o resultado do estado de peso de um indivíduo.
- Reconhecer a dificuldade de alcançar uma perda de peso significativa e sustentável.