Marine Antunes, de 25 anos, foi a criadora do projeto “Cancro com Humor”, que visa desmistificar conceitos relacionados com a vivência oncológica, com perspetivas arrojadas e animadas sobre o cancro. Este exemplo de coragem dedica-se ao seu projeto através de palestras motivacionais para doentes com cancro, sobreviventes ou apoiantes, além de escrever crónicas na plataforma Maria Capaz. É ainda autora do livro “Cancro com Humor”, que conta agora com uma banda desenhada, e da peça de teatro “É cancro, é pois é”. Atualmente, é uma das embaixadoras do Movimento Cancro sem Tabus da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Marine Antunes: Começo por vos dizer que a minha história não é espetacular, nem nova, nem diferente de tantas outras. Tinha 13 quando descobri, como tantas pessoas descobrem, que tinha cancro. Talvez a única diferença tenha sido a forma como decidi encarar essa doença – com real humor e otimismo. Felizmente, cada vez mais, conheço pessoas que encaram as dificuldades com um sorriso nos lábios e que percebem que são donas de uma força transcendente. Fiz os tratamentos-praxe, que se impõe a um doente com cancro, fi-lo com o amor de uma familiar maravilhosa e decidi gozar com o meu cancro, rindo-me dele, à força toda. Hoje, sou cuidadora. Já não tenho cancro, mas continuo a usar e a ensinar a fórmula para que outros doentes sejam mais felizes.
MA: O projeto dos Turbantes não é um projeto meu mas sim da minha amiga Manuela, entre outras pessoas, que decidiram e conseguiram juntar dinheiro para comprarem turbantes para oferecer a pessoas com carência financeira. Eu dei, com todo o gosto, a cara, usando um turbante também quando filmei a campanha Cancro sem Tabus, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, do qual sou uma das embaixadoras. Esse foi o meu contributo, apoiar, falar, dar a cara. Quando tive cancro, não rapei, cortei curtinho e acabei por me arrepender de não ter cortado o cabelo completamente. Dessa forma, não teria os cabelos a caírem aos poucos e teria evitado o frete e desconforto de ter as minhas almofadas sempre cheias de cabelos. Reagi de forma natural, acho eu, que foi detestar à primeira vista, ver-me assim. Qualquer pessoa que lhe é imposta uma nova aparência, não gosta. Se tivesse sido eu, espontaneamente, e sem ter doença alguma, a querer cortar o cabelo curtinho, não teria problema nenhum, mas a condição de imposição é o que nos magoa. Mas depois, comecei a aceitar, a adaptar-me e a decidir gostar de mim assim. Aprendi a gostar. Revoltar-me só iria complicar o processo. As pessoas olhavam muito, claro, talvez por eu usar boinas vistosas e por não ter sobrancelhas, pestanas, e isso foi aquilo que mais me custou. A forma como os outros nos olham pode ser intimidante e, aprender a ligar com isso, é um desafio. Já somos diferentes dos outros e, esses mesmos outros, ainda nos fazem sentir mais deslocados. Contudo, os verdadeiros amigos e os familiares, deram-me todo o apoio do mundo e foram fundamentais para que me sentisse bonita. Ofereciam-me boinas, lenços, apoiam-me, elogiavam a minha nova aparência, e davam-me aquele amor todo, o amor que me mantinha de pé. Relativamente à Banda Desenhada, surgiu em Janeiro deste ano. Sempre tive essa ideia, essa vontade, então contatei uma ilustradora e designer, a Cristiana Costa para que criasse comigo a banda-desenhada Cancro com Humor, com o nome, “É de se lhe tirar o chapéu”. Nessa BD a protagonista é a Careca Power mais cool e divertida de sempre, com um osteossarcoma e que luta contra o cancro com carisma e humor. Criámos alguns episódios, uns deles, inspirados em histórias verídicas de doentes oncológicos, e fomos rapidamente convidados a expor, em duas galerias, no Porto e em Lisboa, por um mês, a convite da Fernanda Freitas. Correu muito bem e agora veremos o que segue, a seguir.
MA: Eu chamo-o de Careca Power porque ele luta contra o cancro. Já fez quimioterapia no passado, contudo, neste momento, não está careca, por isso, não existem olhares indiscretos e, se as pessoas não souberem, não fazem ideia do que ele está a passar. Fisicamente, não se percebe. E como somos super discretos e não permitimos que minem a nossa paz, felicidade e amor, não existem “os outros”. Lidamos com tudo isto com muita tranquilidade, muita fé, muita esperança e, claro, muito humor. Estamos juntos nesta luta contra o cancro e nunca desistiremos.
MA: Acho maravilhoso, claro. Cada vez existem mais formas de os doentes se sentirem mais bonitos e, as perucas, podem fazer toda a diferença. Eu nunca usei mas poderia ter usado, por isso, quem doa o seu cabelo com o intuito de contribuir a que alguém se sinta melhor, merece e minha vénia.
MA: O Cancro com Humor é o meu grande projeto. O meu “primeiro filhote” que continuar a ser o meu bébé, apesar de crescer todos os dias. Começou com o blogue, uma página no facebook e foi evoluindo, tornando-se A Comunidade Careca Power que inspira, que auxilia, que fala de forma diferente. O Cancro com Humor é, então, um projeto revolucionário, criativo que inspirou outros e que fala em humor como ferramenta para a luta contra o cancro. Não é fácil, compreendo o fator rebeldia que este projeto tem e sei que não é de agrado de todos. Com o Cancro com Humor, fiz e faço tantas coisas. Promovi e criei várias iniciativas até então: fundei, no passado uma associação, promovi eventos, tais como, a Gala Careca Power, ou a promoção de uma campanha fotográfica, lancei o meu livro Cancro com Humor, criei uma peça de teatro, “É cancro é pois é?”, e levei-a aos Hospitais, diferentes formas criativas de desmistificação do cancro. Comecei também, a dar as minhas palestras humorísticas e motivacionais para doentes com cancro e público em geral e hoje, esse é um dos meus grandes focos. Apresento-as a universidades, associações, hospitais, eventos, galas, participei no TED(x) Feira e Viseu, na Maratona da Saúde RTP e em vários outros programas. Neste momento, o meu grande objetivo é tornar o projeto sustentável, talvez com um sponser, para poder continuar a levar a palestra Cancro com Humor a todo o lado. Sou também, juntamente a outros embaixadores como o Nicolau Bryner, Sofia Lisboa, Jorge Gabriel, entre outros, embaixadora do Movimento Cancro sem Tabus da Liga Portuguesa Contra o Cancro e lancei, com a Cristiana, a BD que já vos falei.
MA: Eu sei que é um lugar comum dizer isto mas é possível sermos felizes em qualquer situação. E não, não digam que o digo porque “comigo é fácil” porque, garanto-vos, não é. Mas a paz interior de cada um, pode e deve ser trabalhada. A aceitação, a generosidade, a gratidão são sentimentos-base para termos uma vida feliz, mesmo que não tenhamos saúde. A revolta não acrescenta nada. Quero apenas dizer-vos que não desistam de serem felizes, mesmo no caos.