Uma Prioridade: Informar, Integrar e Acompanhar

Há sensivelmente um mês escrevi sobre o início da atividade letiva e a renovação anual do Ensino Superior. Hoje regresso ao tema para destacar a prioridade que a receção aos novos alunos e o seu necessário processo de integração deve constituir para as Universidades e Associação Académicas e de Estudantes (AAEE) de todo o país.

 

[Opinião]

As taxas de abandono escolar e respetivos motivos são ainda hoje um assunto pouco estudado em Portugal e cujas estatísticas continuam a ser desconhecidas por todas as partes envolvidas. Ainda assim, existe uma conclusão que todos os intervenientes assumem como dado adquirido: o abandono é real e múltiplas são as suas causas.

Deixarei de fora desta discussão o abandono provocado por dificuldades económicas, não por menosprezar a sua importância, mas antes por considerar que a solução para esse problema exige sobretudo uma ação e estratégia política que ultrapassa em larga escala as Universidades, as AAEE e a sua capacidade de intervenção, que muitas vezes se resume a dar resposta aos casos urgentes que pontualmente lhes acorrem. Centrar-me-ei naquele com origem na falta de identificação dos estudantes com os cursos do Ensino Superior e respetivos currículos ou na sua deficiente integração no sistema.

Tenho a convicção de que o ensino português e as plataformas hoje existentes são manifestamente incapazes de preparar muitos estudantes para a escolha que enfrentam num primeiro momento no final do 9º ano e num segundo, com caráter mais definitivo e restritivo, no final do 12º. É certo que muitos dos nossos colegas são exceção e, ora por tradição familiar, ora por paixão pessoal, são naturais candidatos ao curso de Medicina, enfrentando por isso estas fases sem grandes dúvidas sobre o seu futuro. Ainda assim, não creio serem assim tão poucos aqueles que, na hora de escolher, o fazem demasiadas vezes sem uma rede de suporte suficiente para que essas escolhas reflitam as suas verdadeiras convicções, certezas ou potencialidades. Não creio que caiba apenas às escolas e às famílias proporcionar as necessárias condições de reflexão e discussão para que essas decisões sejam tomadas na posse de todos os dados, ou sequer que constituam fontes de informação totalmente fidedignas sobre um futuro que lhes é, para pais e professores, não raras vezes igualmente desconhecido. Creio que cabe sobretudo ao Ministério da Educação, nomeadamente através da DGES, e ao Ensino Superior, através das suas Instituições, encontrar os mecanismos que permitam aos futuros estudantes universitários escolher com maior conhecimento de causa. A esse propósito, considero que a ferramenta lançada este ano pelo Ministério da Educação, que reúne um conjunto diverso de informações sobre os diferentes cursos, ainda que manifestamente insuficiente, constitui um bom primeiro passo dado nessa direção.

Uma vez no Ensino Superior, cabe a todos, Universidades, Faculdades e Associações de Estudantes, encontrar uma resposta conjunta que permita sinalizar e identificar aqueles que, tendo menos certezas sobre as suas escolhas, se precipitam para o abandono, temporal ou definitivo, do sistema, para que dessa forma nenhum caso passe ao lado e para que nenhuma potencial intervenção aconteça demasiado tarde. Em relação a esta matéria, a Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa (AEFML) deu este ano um excelente exemplo do que pode e deve ser feito pelos estudantes. O projeto ‘Mentoring’, desenvolvido pela AEFML, visou constituir um grupo de mentores, alunos dos 2º e 3º ano, que acompanham individualmente os alunos do 1º ano e o seu percurso nas suas mais diversas componentes, contribuindo dessa forma para a sua melhor integração na nova realidade que é o Ensino Superior.

É certo que este é apenas um primeiro passo – mas ainda assim um excelente primeiro passo. Falta envolver os docentes, a Faculdade e a Universidade neste processo. Faltará porventura passar do trabalho individual de cada mentor para um trabalho em rede, numa lógica de funcionamento mentorando-mentor-tutor professor, utilizando o mentor como sinalizador de dificuldades e risco e o tutor professor como responsável por acompanhar o percurso académico individual e por dar resposta aos casos problemáticos identificados. Um sistema em pirâmide, articulado entre os diferentes níveis, que permita que aos diferentes patamares correspondam respostas distintas às necessidades individuais dos novos alunos. E a este sistema prático que envolve mentorandos, mentores e tutores, deverá somar-se um segundo, previsivelmente mais teórico, que envolva as Associações de Estudantes, os Conselhos Pedagógicos e as Direções das Faculdades, para que da identificação de dificuldades e necessidades individuais resulte uma avaliação sistemática e integrada do sistema e uma resposta eficaz a eventuais problemas transversais ao Ensino e à sua organização, numa tarefa que se pretende comum a alunos, docentes e corpos diretivos.

Só assim seremos capazes de, desde o primeiro momento, identificar as expectativas dos nossos alunos, as suas dificuldades, as suas eventuais quebras de produtividade e o seu potencial desinteresse, e dessa forma promover uma melhor integração e uma adaptação que garanta que todos os casos são casos de sucesso desde o primeiro momento.

Um sistema que promova o mérito académico deve fazê-lo sempre consciente de que deve igualmente oferecer todas as condições necessárias para que nenhum estudante fique definitivamente para trás, devendo respeitar sempre as diferenças individuais e as dificuldades pontuais que daí ocasionalmente advêm, para que se criem iguais condições e oportunidades de sucesso futuro para todos os estudantes.

Algumas notas breves sobre a atualidade:

  1. Para além da organização de extraordinários Congressos Científicos levada a cabo por estudantes de Medicina, como foram exemplo o YES Meeting e o iMed Conference realizados já no decorrer deste ano letivo, é chegada a vez da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) organizar um Congresso direcionado para a Educação Médica. A prova de que os estudantes, para além da preocupação com a sua formação académica e científica, estão igualmente interessados em discutir a Saúde em Portugal como um todo, está no número de inscrições registadas numa primeira fase em apenas 17 minutos: 390.
  2. Os colegas que frequentam atualmente o Ano Comum vêm pedir, através de uma petição pública que caminha para o milhar de signatários, que o mapa de vagas do concurso de acesso à especialidade seja anunciado com a necessária antecedência. Depois das 1479 vagas do concurso anterior, são agora necessárias 1785 vagas para que ninguém fique de fora. Os dados que conheço são, confesso, animadores, pese embora até ao momento o número de vagas necessárias ainda não esteja oficialmente atingido. Até lá resta-me deixar votos de que tudo corra pelo melhor.
  3. Numa altura em que se discute o Orçamento de Estado para 2015, o primeiro após a saída da Troika de Portugal, e ao mesmo tempo em que foi conhecida a opção para o futuro do grupo Espírito Santo Saúde, a Fundação Para a Saúde – Serviço Nacional de Saúde lançou o livro ‘Serviço Nacional de Saúde: Para uma Conversação Construtiva’, que resume as intervenções do Congresso realizado pela Fundação em novembro do ano passado. Na cerimónia pública de apresentação do livro lançou-se o próximo Congresso, que será realizado a 28 e 29 novembro de 2015. Até lá espero que sejamos todos capazes de, como manda o repto lançado na apresentação do relatório organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian, assumir o nosso papel na discussão e intervenção pública sobre que Saúde queremos e que rumo pretendemos dar ao Serviço Nacional de Saúde. Porque não começar por definir, com uma visão estratégica que vá para além do curto prazo, as condições em que se fará o acesso à Especialidade? E enquanto esperamos por novidades relativamente ao projeto-lei que as definirá, porque não iniciar a discussão, numa perspetiva de médio-longo prazo, sobre uma nova política para a formação médica em Portugal que englobe o sistema de ingresso nas Faculdades, a formação pré-clínica, a formação clínica, o estágio profissionalizante do 6º ano, o trabalho de final de curso e os critérios de seriação para acesso ao Internato de Ano Comum e à Especialidade? Porque não fazê-lo já? Em novembro retomarei este assunto.
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Aluno do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Vice-Presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa. Foi membro discente do Conselho Pedagógico da FMUL entre Dezembro de 2012 e Maio de 2014 e procura acompanhar ativamente o dia-a-dia da Faculdade e da Associação de Estudantes local.

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